Dispensa de Licenciamento Ambiental: Quando é Possível e Quais os Riscos?

Avatar de Loraine Bender
Dispensa de Licenciamento Ambiental: Quando é Possível e Quais os Riscos?

Em meio à complexidade do licenciamento ambiental, uma pergunta é constante nos escritórios, nas reuniões de produtores e nas associações do agronegócio: existe um caminho mais simples? É sempre necessário passar por todas as etapas de LP, LI e LO? A busca por eficiência e a legítima preocupação com custos e prazos levam muitos empreendedores rurais a questionarem se sua atividade realmente precisa de licenciamento ambiental.

A resposta imediata é: sim, a dispensa de licenciamento existe. Ela está prevista na legislação brasileira e pode representar uma significativa economia de tempo e recursos para determinadas atividades. Mas aqui está o ponto crucial que poucos compreendem adequadamente: a dispensa não é uma “carta branca” ou uma solução universal. Ela é uma exceção técnica, prevista em lei para situações muito específicas, e sua aplicação equivocada pode ter consequências devastadoras.

Entender se sua atividade se enquadra legitimamente na dispensa de licenciamento pode economizar recursos valiosos e acelerar o início das operações. No entanto, uma decisão mal fundamentada – baseada em informações incompletas, interpretações superficiais ou no famoso “ouvi dizer” – pode custar o futuro do seu negócio, resultando em multas milionárias, embargos totais e até responsabilização criminal.

Este guia foi elaborado para oferecer uma visão clara, técnica e honesta sobre quando a dispensa é possível, quais são os critérios legais que a fundamentam e, principalmente, quais são os riscos gravíssimos de uma autodeclaração equivocada. O objetivo é simples: proteger você de decisões que podem destruir anos de trabalho.

O Princípio Geral: Por que a Licença é a Regra?

Antes de explorarmos as exceções, é fundamental compreender por que o licenciamento ambiental é a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro. Esta compreensão ajuda a contextualizar adequadamente as situações de dispensa.

O artigo 10 da Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) estabelece de forma clara e categórica:

“A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.”

Esta disposição legal não é uma sugestão, mas uma obrigação constitucional derivada do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225 da Constituição Federal). O licenciamento é o instrumento preventivo que materializa esse direito, garantindo que atividades econômicas não comprometam a qualidade ambiental e a saúde das presentes e futuras gerações.

Por que isso importa para você?

Porque estabelece que a dispensa é uma exceção à regra geral obrigatória. Não se trata de escolher se quer ou não obter licença; trata-se de verificar se sua atividade específica está juridicamente enquadrada nas hipóteses excepcionais de dispensa previstas na legislação. A presunção é sempre pela obrigatoriedade do licenciamento.

Os Critérios para a Dispensa: Onde Procurar a Resposta?

A resposta para a pergunta “minha atividade está dispensada de licenciamento?” não é única, simples ou universal. Ela depende de uma análise técnica e jurídica conjunta de múltiplos fatores e fontes normativas.

Porte do Empreendimento e Potencial Poluidor (a Matriz “P x G”)

O conceito central que orienta a possibilidade de dispensa ou simplificação do licenciamento é a matriz de enquadramento que cruza duas variáveis fundamentais:

  1. Porte do empreendimento:
  • Micro: Atividades de escala muito reduzida
  • Pequeno: Empreendimentos de pequena escala
  • Médio: Atividades de escala intermediária
  • Grande: Empreendimentos de grande escala ou impacto regional
  1. Potencial poluidor/degradador:
  • Insignificante ou Baixo: Impacto ambiental mínimo
  • Médio: Impacto moderado, controlável com medidas padrão
  • Alto: Significativo impacto ambiental

A lógica é simples: atividades classificadas como de porte micro ou pequeno combinadas com potencial poluidor insignificante ou baixo são as candidatas mais prováveis à dispensa ou ao licenciamento simplificado.

Exemplo prático:

  • Uma grande agroindústria de processamento de frutas (porte grande) com geração significativa de efluentes (potencial poluidor alto) = Licenciamento obrigatório completo
  • Uma pequena horta orgânica familiar (porte micro) sem uso de defensivos químicos (potencial poluidor insignificante) = Possível dispensa

Legislação Estadual e Municipal: O Fator Decisivo

Aqui está um ponto que gera enorme confusão e, consequentemente, erros graves: a competência para definir os critérios específicos de dispensa é, em grande parte, dos órgãos ambientais estaduais (OEMAs) e, em alguns casos, municipais.

Isso significa que:

Não existe uma lista nacional única de atividades dispensadas. Cada estado brasileiro possui sua própria legislação e suas próprias resoluções que definem:

  • Quais atividades estão dispensadas
  • Quais limites de porte e produção determinam a dispensa
  • Quais procedimentos simplificados são aplicáveis

Exemplo hipotético ilustrativo:

  • No Estado A, a criação de até 100 cabeças de gado em sistema extensivo pode estar dispensada de licenciamento
  • No Estado B, o limite pode ser de apenas 50 cabeças
  • No Estado C, qualquer criação acima de 30 cabeças já exige licenciamento simplificado

Para atividades agrícolas:

  • Alguns estados dispensam culturas de subsistência até determinada área (ex: 5 hectares)
  • Outros exigem licenciamento simplificado para qualquer atividade irrigada acima de 2 hectares

Para agroindústrias:

  • Uma pequena casa de farinha pode estar dispensada em um estado e exigir licenciamento em outro
  • O processamento artesanal de queijos pode ter regras completamente diferentes conforme a localização

A conclusão é clara: Não é possível determinar se sua atividade está dispensada sem consultar a legislação específica do estado e, em alguns casos, do município onde ela será desenvolvida.

Atividades Específicas Previstas em Resoluções

Além da análise pela matriz porte x potencial poluidor, algumas atividades específicas podem ser expressamente listadas como dispensadas ou sujeitas a procedimentos simplificados em:

Resoluções CONAMA (nível federal):

  • Estabelecem diretrizes gerais que podem ser detalhadas pelos estados

Resoluções de Conselhos Estaduais de Meio Ambiente:

  • Listam atividades específicas do agronegócio regional com critérios de dispensa

Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC):

  • Modalidade simplificada onde, em vez de estudos ambientais complexos, o empreendedor adere a um conjunto de compromissos pré-estabelecidos para atividades de baixo impacto

Cadastro ou Registro Ambiental:

  • Em alguns casos, substitui o licenciamento formal por um simples cadastro eletrônico junto ao órgão ambiental

Exemplos Práticos no Agronegócio (Hipotéticos)

Para tornar o conceito tangível e ajudá-lo a visualizar situações concretas, apresentamos exemplos práticos que ilustram diferentes cenários de enquadramento:

Exemplo 1: Dispensa Muito Provável

Atividade: Pequena horta orgânica familiar para subsistência e venda direta ao consumidor, com área de 2 hectares, sem uso de defensivos químicos ou sistemas de irrigação mecanizados.

Análise:

  • Porte: Micro
  • Potencial poluidor: Insignificante
  • Uso de recursos: Mínimo (água de nascente em pequena quantidade)
  • Provável enquadramento: Dispensa de licenciamento na maioria dos estados (sujeito a verificação da legislação local)

Exemplo 2: Análise Criteriosa Necessária

Atividade: Pequena agroindústria artesanal de processamento de frutas (doces, geleias), processando 500 kg de frutas por semana, gerando efluentes líquidos.

Análise:

  • Porte: Pequeno
  • Potencial poluidor: Baixo a médio (depende do sistema de tratamento de efluentes)
  • Uso de recursos: Moderado (água para lavagem, energia)
  • Provável enquadramento: Pode exigir licenciamento simplificado ou LAC (muito raramente dispensa total)
  • Fatores decisivos: Presença de sistema de tratamento de efluentes, destinação de resíduos sólidos

Exemplo 3: Licenciamento Obrigatório Certo

Atividade: Confinamento de bovinos com capacidade para 1.000 cabeças, sistema de irrigação por pivô central com área de 200 hectares, ou frigorífico de médio porte.

Análise:

  • Porte: Médio a grande
  • Potencial poluidor: Médio a alto (dejetos, efluentes, consumo de água)
  • Impactos: Significativos (odor, recursos hídricos, solo)
  • Enquadramento: Licenciamento ambiental completo obrigatório (LP, LI, LO)

Exemplo 4: Zona Cinzenta – Risco Alto de Erro

Atividade: Criação de 80 suínos em sistema semi-intensivo, com lagoa de tratamento de efluentes.

Análise:

  • Porte: Pequeno a médio (depende da legislação estadual)
  • Potencial poluidor: Médio (suinocultura tem alto potencial se mal manejada)
  • Enquadramento: Varia enormemente por estado – pode exigir licenciamento completo, simplificado ou, raramente, dispensa com condicionantes
  • Risco: Zona de alta incerteza que exige análise técnica obrigatória

O Maior Alerta: Dispensa de Licença ≠ Ausência de Regras

Esta é, sem dúvida, a seção mais importante para a proteção do seu patrimônio e do seu futuro empresarial. Preste atenção máxima ao que será dito a seguir:

Mesmo que uma atividade seja legalmente dispensada do processo formal de licenciamento ambiental (LP, LI, LO), ela NÃO ESTÁ, em hipótese alguma, dispensada de cumprir TODA a legislação ambiental aplicável.

O Que Isso Significa na Prática?

Você continua obrigatoriamente responsável por:

Respeitar Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal:

  • Manter intactas as faixas marginais de rios, nascentes e encostas
  • Conservar o percentual exigido de Reserva Legal conforme seu bioma
  • Não suprimir vegetação nativa sem autorização específica

Obter Outorga de Uso da Água:

  • Se sua atividade capta água de rios, lagos ou poços, a outorga é obrigatória independentemente da dispensa de licenciamento
  • A ausência de outorga é infração autônoma e gravíssima

Gestão Adequada de Resíduos Sólidos:

  • Destinação correta de embalagens de defensivos agrícolas
  • Gestão de resíduos orgânicos e inorgânicos
  • Cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos

Não Causar Poluição ou Degradação:

  • Mesmo sem licença formal, causar poluição hídrica, atmosférica ou do solo é crime ambiental
  • Responsabilidade civil objetiva por danos ambientais permanece integral

Registro no CAR (Cadastro Ambiental Rural):

  • Obrigatório para todos os imóveis rurais, independentemente de licenciamento

A dispensa do licenciamento é uma simplificação procedimental, não uma carta branca para ignorar a legislação ambiental.

Os Riscos de uma Autodeclaração Equivocada

As consequências de operar sem licença ambiental quando ela era, de fato, legalmente exigida são devastadoras e podem inviabilizar completamente um empreendimento. Vamos detalhar cada uma:

1. Multas Administrativas Pesadas

As multas por operar sem licenciamento ambiental podem variar de:

  • R$ 500,00 a R$ 10 milhões de reais (conforme a Lei nº 9.605/1998 e Decreto nº 6.514/2008)
  • O valor é determinado pela gravidade da infração, porte do empreendimento e impacto causado
  • Multas diárias podem ser aplicadas até a regularização
  • Em casos de reincidência, os valores são dobrados

Exemplo real: Pequenas agroindústrias foram multadas em valores entre R$ 50 mil e R$ 200 mil por operarem sem licenciamento, valores que inviabilizaram financeiramente os negócios.

2. Embargo Total da Atividade

O órgão ambiental tem poder de polícia para:

  • Embargar imediatamente toda a atividade produtiva
  • Lacrar equipamentos e impedir o uso de instalações
  • Proibir a comercialização de produtos já produzidos
  • Determinar a paralisação total até a regularização completa

O embargo significa:

  • Perda total de receita durante o período de paralisação
  • Prejuízos com produtos perecíveis perdidos
  • Quebra de contratos com fornecedores e clientes
  • Dano irreparável à reputação

3. Responsabilização Criminal

Operar empreendimento sem licença ambiental obrigatória configura crime ambiental, previsto no artigo 60 da Lei nº 9.605/1998:

“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

Consequências:

  • Abertura de inquérito policial
  • Possibilidade de prisão (embora rara em crimes ambientais de menor potencial, é possível)
  • Antecedentes criminais
  • Responsabilização pessoal de sócios e gestores

4. Perda Total de Acesso a Crédito e Mercados

A irregularidade ambiental tem efeito cascata devastador:

Impossibilidade de obter crédito rural:

  • Bancos públicos e privados exigem comprovação de regularidade ambiental
  • Linhas de financiamento especiais (Pronaf, ABC, BNDES) são bloqueadas
  • Impossibilidade de renovar operações de crédito existentes

Exclusão de cadeias de fornecimento:

  • Grandes compradores realizam auditorias ambientais em fornecedores
  • Certificações são negadas ou canceladas
  • Contratos de fornecimento são rescindidos

Impossibilidade de exportação:

  • Due diligence de compradores internacionais identifica irregularidades
  • Barreiras não tarifárias impedem acesso a mercados exigentes

5. Impossibilidade de Regularização Retroativa

Um dos maiores erros de percepção é acreditar que “depois eu regularizo”. Na prática:

  • Obras e atividades já instaladas sem licença podem ser obrigadas a serem desfeitas
  • A regularização posterior não anula as penalidades já aplicadas
  • O custo de regularizar retrospectivamente é sempre múltiplo do custo de fazer certo desde o início

Conclusão: Não Confunda Simplicidade com Insegurança

A busca por um caminho mais simples, por eficiência operacional e por economia de recursos é absolutamente legítima e compreensível no contexto do agronegócio. No entanto, essa busca deve ser feita com base em análise técnica e jurídica criteriosa, e não em suposições, interpretações superficiais ou no perigoso “todo mundo faz assim”.

A dispensa de licenciamento ambiental existe, está prevista em lei e pode representar uma simplificação significativa para determinadas atividades de baixo impacto. Mas ela é uma exceção à regra geral de obrigatoriedade, aplicável apenas a situações específicas que devem ser rigorosamente verificadas na legislação estadual e municipal aplicável.

A grande armadilha é a autodeclaração de dispensa sem fundamentação técnica adequada. Os riscos são desproporcionalmente altos em relação à economia imaginada: multas milionárias, embargos totais, responsabilização criminal, perda de mercados e crédito, e destruição completa da reputação empresarial.

Para compreender o processo completo de licenciamento ambiental, suas etapas, exigências e a importância estratégica desse instrumento para o agronegócio, consulte nosso guia definitivo: Licenciamento Ambiental no Agronegócio: O Guia Completo.

A pergunta que você precisa responder com absoluta segurança é: “Minha atividade está, de fato e juridicamente, dispensada de licenciamento?” Esta não é uma pergunta que pode ser respondida por achismo, por consultas informais ou por comparação com o vizinho. Exige análise da legislação estadual específica, do porte exato da sua atividade, do potencial poluidor real e das particularidades do seu projeto.

A Bender Advocacia é especialista em realizar diagnósticos precisos de enquadramento ambiental, oferecendo a você a resposta definitiva e segura sobre a necessidade ou dispensa de licenciamento para sua atividade específica. Nossa equipe analisa toda a legislação aplicável (federal, estadual e municipal), avalia as características técnicas do seu empreendimento e fornece um parecer fundamentado que protege você de decisões equivocadas que podem custar o futuro do seu negócio.

Não arrisque seu patrimônio e anos de trabalho em uma aposta que pode sair muito cara. Entre em contato conosco e tenha a certeza jurídica de que você está operando no caminho correto, seja ele o licenciamento completo, o simplificado ou a legítima dispensa. Segurança jurídica não é custo; é o melhor investimento que você pode fazer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *