Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025): Um Guia Completo para Produtores Rurais e Empresas

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Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025): Um Guia Completo para Produtores Rurais e Empresas

A relação entre desenvolvimento econômico e proteção ambiental tem sido, historicamente, um dos debates mais complexos no Brasil. O licenciamento ambiental, ferramenta essencial para gerenciar essa relação, sempre esteve no centro dessas discussões, ora criticado pela morosidade, ora defendido como a última barreira contra a degradação. É nesse cenário que surge a Lei nº 15.190/2025, a Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, sancionada em 8 de agosto de 2025, prometendo um novo capítulo para o setor.

Para você, produtor rural, empreendedor ou gestor, compreender profundamente as nuances da Lei nº 15.190/2025 é não apenas uma questão de conformidade, mas uma estratégia essencial para a sustentabilidade e competitividade de seu negócio. Este guia completo desvenda a nova lei, seus mecanismos, os fundamentos dos vetos presidenciais e as implicações práticas para o seu dia a dia.

1. Contexto Histórico e a Necessidade de uma Nova Lei

Para entender a relevância da Lei nº 15.190/2025, é fundamental olhar para o histórico do licenciamento ambiental no Brasil. Desde a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), o licenciamento tem sido um instrumento crucial. No entanto, ao longo das décadas, o sistema consolidou-se de forma fragmentada, com diferentes regulamentações estaduais e municipais, gerando insegurança jurídica e morosidade.

Os principais desafios do modelo anterior incluíam:

  • Burocracia Excessiva e Morosidade: Processos longos e complexos, com repetidas exigências, atrasavam a implementação de projetos, gerando custos adicionais e impactando o investimento.
  • Falta de Padronização: A diversidade de procedimentos entre estados e municípios criava um “emaranhado” de regras, dificultando a atuação de empresas com operações em múltiplos locais e abrindo espaço para a chamada “corrida para o fundo” (onde estados flexibilizavam normas para atrair investimentos).
  • Insegurança Jurídica: A falta de clareza e uniformidade resultava em interpretações diversas e litígios, prejudicando o ambiente de negócios.
  • Lacunas e Sobreposições: Áreas sem regulamentação clara conviviam com outras onde havia sobreposição de competências, gerando ineficiência.

Diante desse cenário, a demanda por uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental tornou-se crescente, vinda tanto do setor produtivo, que almejava maior agilidade e previsibilidade, quanto de ambientalistas, que buscavam maior clareza e eficácia na proteção. A Lei nº 15.190/2025 surge como uma resposta a essa necessidade histórica, buscando um equilíbrio que, na prática, ainda será testado. Para entender como se adaptar e implementar essas mudanças em sua operação, confira nosso Guia Prático de Adaptação à Nova Lei de Licenciamento Ambiental.

2. Detalhamento dos Mecanismos da Nova Lei (Lei nº 15.190/2025)

A Lei Geral do Licenciamento Ambiental introduz e aprimora mecanismos que prometem revolucionar a forma como o Brasil lida com a aprovação de projetos com potencial impacto ambiental.

2.1. Licença por Adesão e Compromisso (LAC)

A LAC é uma das grandes inovações da lei, concebida para desburocratizar o licenciamento de empreendimentos de menor complexidade. Ela se aplica a atividades e empreendimentos de baixo potencial poluidor e baixo impacto ambiental.

  • Como Funciona: O empreendedor, ao invés de passar por um processo de análise detalhada do órgão ambiental, declara que sua atividade se enquadra nos critérios preestabelecidos e se compromete formalmente a cumprir as normas e condições ambientais. É uma autodeclaração, mas com força legal.
  • Benefícios: A principal vantagem é a celeridade. Em tese, a licença é emitida imediatamente após a declaração, permitindo que o empreendedor inicie ou legalize suas operações rapidamente. Isso beneficia pequenos produtores, comércios ou serviços com impacto ambiental realmente baixo.
  • Importância do Veto: A versão original da lei permitia a extensão da LAC para atividades de médio potencial poluidor. O veto presidencial a essa ampliação foi crucial. Manter a LAC restrita a “baixo impacto” é fundamental para a proteção ambiental, pois impede que atividades com riscos ambientais mais significativos sejam licenciadas sem uma análise técnica prévia aprofundada. Este veto garante que a agilidade não comprometa a rigorosidade necessária para riscos maiores.

2.2. Licença Ambiental Especial (LAE)

A LAE foi criada com o objetivo de dar prioridade e celeridade à análise de projetos considerados estratégicos para o desenvolvimento nacional ou regional, como grandes obras de infraestrutura, energéticas ou de agronegócio de grande porte.

  • Propósito: Desatar nós burocráticos para empreendimentos de alto valor estratégico.
  • Veto ao Processo Monofásico: A versão original da lei previa para a LAE um “processo monofásico”, onde todas as etapas do licenciamento seriam concentradas em uma única análise e emissão de licença. O veto presidencial a essa previsão foi um dos mais importantes. A justificativa é clara: para projetos complexos e de grande impacto, a avaliação em múltiplas etapas (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) é indispensável para garantir a devida avaliação dos impactos, o controle da instalação e a fiscalização da operação. Embora a LAE ainda possa conferir prioridade na tramitação, ela não poderá suprimir as etapas de análise que garantem a proteção ambiental. Isso assegura que a urgência do projeto não se sobreponha à necessidade de um licenciamento ambiental robusto.

2.3. Dispensa de Licenciamento para Atividades Específicas

A lei especifica atividades de “risco insignificante” que podem ser dispensadas de licenciamento ambiental.

  • Exemplos: Inclui certas atividades agropecuárias (como o cultivo de espécies agrícolas e a pecuária de pequeno porte, desde que dentro de limites e normas estabelecidas) e obras de manutenção de infraestrutura já existente, sem ampliação significativa.
  • Condições: A dispensa não é automática. Ela está condicionada ao cumprimento de requisitos como a regularidade fundiária do imóvel, o atendimento à legislação ambiental aplicável (ex: o Código Florestal), e, quando couber, a obtenção de autorização para a supressão de vegetação, quando necessária.
  • Veto Crucial para o CAR: Um ponto de atenção para o produtor rural: a versão original da lei previa a dispensa de licenciamento para produtores rurais que possuíssem o Cadastro Ambiental Rural (CAR) com análise pendente. O veto presidencial a este dispositivo é de suma importância. Isso significa que, mesmo com o CAR já inscrito, se a sua análise estiver pendente (ou seja, não aprovada), você não poderá se beneficiar da dispensa. Este veto reforça a necessidade de uma regularização ambiental completa e efetiva da propriedade, incentivando a resolução de pendências e garantindo que o CAR seja mais do que um mero cadastro, mas uma ferramenta de gestão e controle ambiental efetivo. O CAR, como detalhamos em nosso artigo sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), é a base da regularização.

2.4. Digitalização e Integração dos Processos

Uma das inovações mais promissoras da nova lei é a obrigatoriedade de que todos os processos de licenciamento ambiental sejam tramitados de forma 100% digital até 2029.

  • Impacto: Isso representa um salto tecnológico significativo, visando a uniformização e a eficiência. A lei exige a integração dos sistemas dos órgãos ambientais estaduais e municipais ao Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente (Sinima).
  • Benefícios: A digitalização promete maior transparência, redução de burocracia, agilidade na tramitação, facilidade de acesso a informações e combate à fraude. Para o empreendedor, significa menos papel, menos deslocamentos e maior rastreabilidade do processo. Para os órgãos, maior controle e capacidade de fiscalização.

3. A Fundo: Os Vetos Presidenciais e Seus Fundamentos

Os 63 vetos presidenciais não são meros detalhes; eles redefinem a abrangência e o rigor da Lei nº 15.190/2025. Esses vetos refletem um esforço para evitar retrocessos e manter a coerência com as políticas ambientais do país.

3.1. Restrição da LAC para Médio Potencial Poluidor

  • Fundamento: A extensão da LAC para atividades de médio potencial poluidor representaria um risco considerável. Atividades como certas indústrias, empreendimentos agroindustriais de porte médio ou projetos de infraestrutura de menor escala, mas com impactos ambientais reais (emissão de efluentes, geração de resíduos, uso de recursos hídricos), não poderiam ser licenciadas apenas por autodeclaração. O veto garante que esses empreendimentos passem pela análise técnica necessária, protegendo a qualidade do solo, da água e do ar.

3.2. Autonomia dos Estados e Municípios Limitada

  • Fundamento: A lei original permitia que estados e municípios estabelecessem seus próprios critérios e requisitos para o licenciamento ambiental, mesmo que mais flexíveis que as normas federais. O veto a essa prerrogativa é crucial para evitar a “corrida para o fundo”, onde entes federativos poderiam, em busca de atrair investimentos, flexibilizar excessivamente suas leis ambientais, criando paraísos regulatórios que comprometeriam o padrão de proteção ambiental nacional. O veto reitera a supremacia da norma federal no estabelecimento dos padrões mínimos de proteção. A nova lei, com o veto, harmoniza a atuação dos diferentes níveis federativos, assegurando que, embora os entes possam detalhar suas normas, eles não podem criar exigências menos protetivas.

3.3. Proteção Reforçada da Mata Atlântica

  • Fundamento: Dispositivos que tentavam flexibilizar as regras para este bioma foram vetados. A Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos em biodiversidade e, ao mesmo tempo, um dos mais devastados do planeta, possui um regime de proteção especial. A manutenção de suas regras rigorosas é essencial para a conservação de fragmentos florestais vitais, que abrigam uma fauna e flora únicas e prestam serviços ecossistêmicos cruciais, como a regulação hídrica e climática.

3.4. Preservação da Consulta a Comunidades Tradicionais

  • Fundamento: Um dos vetos mais importantes em termos de direitos humanos e sociais. A lei aprovada pelo Congresso tentava restringir a participação de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Fundação Cultural Palmares no processo de licenciamento de empreendimentos que pudessem afetar terras indígenas e quilombolas. O veto presidencial reestabelece a obrigatoriedade da consulta prévia, livre e informada dessas comunidades, conforme prevê a Constituição Federal e convenções internacionais, garantindo que seus direitos territoriais e culturais sejam respeitados, inclusive em áreas com processos de demarcação ou reconhecimento de terras pendentes.

3.5. Exigência da Regularização Plena do CAR

  • Fundamento: Ao vetar a dispensa de licenciamento para propriedades com CAR em análise pendente, o governo reforça a importância da efetiva regularização ambiental. O CAR é um instrumento poderoso de controle ambiental. Permitir dispensas com base apenas na inscrição, sem a análise e eventual regularização de passivos, esvaziaria o objetivo do Código Florestal e do Programa de Regularização Ambiental (PRA), que visa a recuperação de áreas degradadas, como abordamos em Desmistificando o Custo do PRAD.

3.6. Manutenção das Etapas de Análise para a LAE

  • Fundamento: O veto ao processo monofásico para a Licença Ambiental Especial (LAE) é crucial. Projetos estratégicos, por sua própria natureza, tendem a ser de grande porte e com impactos ambientais potencialmente complexos e significativos. Suprimir etapas essenciais de avaliação de impacto ambiental e controle (Licença Prévia, Licença de Instalação, Licença de Operação) seria um risco inaceitável. O veto assegura que, mesmo com prioridade na tramitação, esses projetos passem por uma análise técnica robusta e contínua.

3.7. Responsabilidade de Instituições Financeiras Mantida

  • Fundamento: A lei mantém a responsabilidade de instituições financeiras que concedam crédito para projetos que possam causar danos ambientais, caso esses projetos não estejam devidamente licenciados. Isso significa que bancos e agentes financiadores têm um papel ativo no compliance ambiental, pois são corresponsáveis. Esse dispositivo incentiva as instituições a exigirem a conformidade ambiental de seus clientes, atuando como um “filtro” adicional para projetos que não atendam à legislação.

4. Impactos Específicos no Setor Agropecuário

A Lei nº 15.190/2025 traz impactos diretos e indiretos para o agronegócio, que é um dos setores mais diretamente afetados pelo licenciamento ambiental.

  • Agilidade para o Pequeno Produtor: A LAC, para atividades de baixo impacto, pode de fato desburocratizar e agilizar o início ou a regularização de operações para muitos pequenos e médios produtores rurais, reduzindo a carga administrativa.
  • Reforço da Regularidade Ambiental: O veto à dispensa de licenciamento com CAR pendente é um sinal claro: a regularização ambiental da propriedade rural é um pré-requisito não negociável. Produtores com passivos ambientais precisarão acelerar sua adesão e cumprimento do Programa de Regularização Ambiental (PRA).
  • Segurança Jurídica para Investimentos: A padronização de procedimentos e a maior clareza na aplicação da lei, mesmo com os vetos, tendem a reduzir a insegurança jurídica. Isso pode atrair mais investimentos para o setor, tanto nacionais quanto internacionais, que valorizam um ambiente regulatório claro e previsível.
  • Oportunidades com a Digitalização: A tramitação 100% digital, embora exija adaptação inicial, trará maior transparência e eficiência. Para o produtor, significa menos deslocamentos e acesso mais fácil à informação sobre seu processo.
  • Conformidade como Diferencial: Em um mundo que cada vez mais exige rastreabilidade e sustentabilidade na cadeia produtiva, a conformidade com a nova lei de licenciamento, e um bom Mapeamento de Risco Ambiental, tornam-se um diferencial competitivo, abrindo portas para mercados mais exigentes e para o crescente universo do financiamento verde e dos Créditos de Carbono e PSA.

5. Perspectivas Futuras e Recomendações

A sanção da Lei nº 15.190/2025 é o primeiro passo. A efetividade e o impacto real da nova lei dependerão, em grande parte, de sua regulamentação e da capacidade de implementação por parte dos órgãos ambientais em todas as esferas federativas. Medidas Provisórias e decretos podem ser esperados para detalhar aspectos da lei.

Para produtores rurais e empresas, as seguintes recomendações são cruciais:

  • Busque Assessoria Especializada: A complexidade da legislação ambiental exige o acompanhamento de advogados especializados em direito ambiental. Eles podem interpretar corretamente as novas regras, identificar oportunidades, mitigar riscos e representar seus interesses junto aos órgãos. Nossa equipe possui vasta experiência em negociações de TAC ambiental e outros acordos, o que é fundamental nesse novo cenário.
  • Invista em Compliance Ambiental: Mais do que nunca, a conformidade ambiental não é um custo, mas um investimento. Mantenha sua propriedade ou empresa em dia com todas as exigências legais, não apenas as de licenciamento, mas também de recursos hídricos (outorga de água), gestão de resíduos e proteção de áreas.
  • Prepare-se para a Digitalização: Adapte seus sistemas e processos internos para a tramitação digital. Invista em capacitação da sua equipe para operar nas novas plataformas.
  • Monitore as Atualizações: O cenário legal pode sofrer ajustes com novas regulamentações. Mantenha-se informado sobre portarias, decretos e eventuais interpretações dos órgãos ambientais.

Conclusão: Um Novo Cenário de Desafios e Oportunidades

A Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025) inaugura um novo cenário para o desenvolvimento e a proteção ambiental no Brasil. Os vetos presidenciais, cuidadosamente aplicados, demonstram a busca por um equilíbrio que garanta a agilidade necessária para o crescimento econômico, sem abrir mão das salvaguardas essenciais para o meio ambiente e os direitos das comunidades.

Para produtores rurais e empresas, o momento é de adaptação e proatividade. Compreender as novas regras, investir em conformidade e contar com assessoria jurídica especializada são passos fundamentais para navegar com sucesso nesse novo ambiente regulatório. A Lei nº 15.190/2025 não é apenas um conjunto de novas regras; é um convite à modernização da gestão ambiental, transformando desafios em oportunidades e consolidando um futuro mais sustentável para o agronegócio e a indústria brasileira.

Para um roteiro detalhado e ações práticas sobre como implementar essas mudanças em seu negócio, recomendamos a leitura do nosso Guia Prático para Adaptação à Nova Lei de Licenciamento Ambiental.

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